domingo, 23 de dezembro de 2012

O caçador e o suricate

Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará.
Direi do SENHOR: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei.
Porque ele te livrará do laço do passarinheiro, e da peste perniciosa.
Salmos 91:1-3


Quis o destino que o suricate, andando no meio da mata fechada, se deparasse cara a cara com um caçador. Não havendo qualquer chance de fuga, o pequeno mamífero disse ao provável assassino:
- Sr. caçador, confesso não ter a menor chance contra a corda que segura firme em tua mão esquerda, muito menos contra a arma que guarda na cintura. Sei que somos conhecidos da natureza e que tu vieste até aqui para saciar a fome. Não o condeno por isso, é razoável o predador buscar sua presa e aceito meu destino com dignidade, não irei fugir, tenho consciência de que já vivi muito e de que, segundo a própria biologia, você está acima de mim na cadeia alimentar.
Depois dessa fala, o bichano já foi logo amarrando os próprios braços na corda diante do olhar interrogativo do caçador.
- Que espécie de atitude é essa, amigo suricate? Há décadas que a modernidade eliminou essa categoria. Não estou aqui na floresta com tal objetivo, nem como carne todos os dias, minha alimentação é quase toda à base de vegetais. Para provar a veracidade do que digo, o levarei a um grande banquete por minha conta.
Sem dar mais explicações, mas também sem desamarrar a corda, o caçador seguiu para o seu destino quando foi mais uma vez interpelado pelo animal amarrado.
- Sr. caçador, sei bem que está tentando me manter paciente, mas fale mais sobre o verdadeiro lugar para onde está me levando.
Cansado de tanta questão, respondeu o caçador:
- Diga você pelo que pode ver no percurso...
A fala não poderia ser mais enigmática e deixou o pequeno animal confuso, pois observava que caminhava para um lugar cada vez mais distante, ermo e cheio de brilho da floresta.
Chegando ao local indicado e sem esquecer que era um bicho que falava pelos cotovelos, o suricate perguntou:
- É aqui, portanto, que você me servirá para o jantar?
- Ora suricate, mais uma vez tenho que dizer isto?! Aqui você é meu convidado. Quanta ingratidão a sua. Veja só: "Taberneiro! Sirva-nos duas taças de seu melhor vinho e uma porção de sua melhor carne ao meu companheiro!"
- Senhor, a única carne que dispomos é de herpestidae*.
- Mande essa sim, coloque para ele uma fatia bem gorda.
E o suricate se lambuzou com a deliciosa carne sem saber o que estava no prato.
- Vejo, suricate, que comeste um maravilhoso alimento. Quão saborosa lhe parece a carne da tua família?
- É da minha carne que estou comendo?!
- Não foi a minha intenção, pedi ao taberneiro o melhor bife e ele me trouxe o seu. Fale-me da graça que tem o sabor...
O suricate ficou mais uma vez desnorteado, sentiu vontade de vomitar, antes pensou em soltar as cordas. Ao retornar os olhos para o caçador, viu um animal semelhante a si, de mesma altura e ficou bastante assustado.
- Agora você me vê como eu o vejo, podemos caminhar juntos então.

I.
E o suricate não acreditou na fala do caçador, nem no que viam seus olhos, correu para longe, no que deveria ser o caminho de volta.

II.
E o suricate tomou o facão do inimigo e o atingiu na perna.

III.
E o suricate finalmente entendeu que o caçador era um ilusionista.